In Se7e, 06 de Maio de 1987
Texto de António Macedo
Já foram quatro, apenas três, hoje são cinco. Gravaram «Circo de Feras», venderam mais de dez mil discos e fizeram, em três meses, mais de 30 concertos. Chamam-se Xutos e Pontapés, existem desde 1978 e começaram a já longa carreira com um anúncio de jornal: Zé Pedro e Zé Leonel publicaram-no; Kalu e Tim responderam.
E pronto: para já, para já, atingiram o cume de uma carreira iniciada vai para nove anos em instalações que custavam qualquer coisa como duzentos escudos à hora. «Os amplificadores para trabalharem tinham de levar alguns pontapés de vez em quando; a bateria quase não tinha peles; enfim, os outros instrumentos eram nossos.» Mesmo à «beirinha» de cumprirem o seu 31.° concerto da digressão «Circo de Feras», os Xutos e Pontapés recordam, sorridentes, esses tempos da «baliza às costas». Hoje são uma das poucas bandas-sucesso que resistiu à «vida e morte do rock português» dos últimos dez anos. É disso que falamos. Zé Pedro já conhecia Zé Leonel. Tocava guitarra, o seu amigo cantava, não havia muito regressara de um grande Festival Internacional Punk e entendia que essa «música rebelde» também podia ter expressão em Portugal.
Um anúncio no jornal: «Baterista e baixista precisam-se para grupo punk». Responderem dezenas, Kalu e Tim são aceites, nascem os Xutos e Pontapés. Quarteto nesta primeira fase, primeiro ensaio a 20 de Dezembro de 1978. «Na Senófila, aqui em Lisboa», recorda Zé Pedro. Instalações que os albergaram durante qualquer coisa como três anos. Já se disse: pagaram cerca de 200 escudos por hora de ensaio, não tinham as melhores condições de trabalho, a maior parte do material ia de casa, levado pelos músicos. Fala, Zé Pedro! «0lha, esta primeira fase do grupo era, assim, uma espécie de brincadeira: funcionava apenas a nossa vontade de tocar, de estar em cima de um palco, gozávamos todas as situações e não tínhamos quaisquer preocupações quanto ao tempo de vida do nosso projecto — um dia, um mês, um ano...» Pois, hoje é diferente. Lá iremos, em tempo, com tempo. Nesse tempo, os Xutos eram esses que já foram recenseados: Zé Pedro e Zé Leonel (os da ideia, os do anuncio), Kalu e Tim (os que responderam e concordaram). Assim permaneceram até ao início de 1981 com muitas actuações ao vivo e com uma primeira apresentação no Pavilhão do Belenenses, «abrindo» para Wilko Johnson e os seus Solid Senders em 23 de Fevereiro.
Sai Zé Leonel, entra Francis Nunes. Estamos em Fevereiro de 1981, os músicos do grupo tinham a sua carteira profissional desde há um ano, o concerto com os Solid Senders já lá ia, a banda iniciava a sua segunda etapa numa altura em que o chamado «rock português» jogava os seus trunfos principais.
«Passamos ao lado disso tudo, não gravamos para nenhuma grande editora e isso foi importante para a nossa sobrevivência.» Hoje, é possível fazer história, analisar os passos do passado, fazer o inventário de vitórias e fracassos. É o que faz, para o «Se7e», Zé Pedro: «Habituámo-nos a contar apenas connosco, a ser auto-suficientes. Sempre entendemos que não devíamos gravar apenas por gravar, mas que as nossas posições no mercado deviam ser conquistadas. A nossa batalha era outra e só então começava. Acreditávamos em nós.» Esta é a segunda fase dos Xutos e Pontapés. Aquela que corresponde à permanência de Francis Nunes no seio do grupo. Até Maio de 1983 os Xutos gravaram os dois primeiros singles e o primeiro álbum para a editora Rotação, mas, para além disso tudo, define o seu som, marca o seu espaço...
Fica publicamente reconhecida a importância de Francis Nunes, músico que tocava no conjunto de baile em que o baterista Kalu fazia os seus exercícios: «Foi ele quem ajudou a limar o nosso som, a defini-lo. É um óptimo músico, com ideias muito próprias, capaz até de trabalhar em produções. Foi ele quem contribuiu decisivamente para uma maior elaboração das novas composições, dando-lhes voltas a que não estavam habituados. Os Xutos e Pontapés deixavam a fase das «três notas mais refará e está feita uma canção», entravam em novos esquemas de composição. Bom-dia!
Entre Maio e Novembro de 1983 os Xutos e Pontapés enfrentam o «grande desafio: a editora a que estavam vinculados (a Rotação) faliu, Francis Nunes entendia que era o momento próprio de «dar o salto» para uma grande editora, Zé Pedro, Tim e Kalu entendiam que não. É a ruptura. Francis Nunes sai dos Xutos (transferindo-se para os UHF) e a banda vive, durante alguns meses como trio. «Trata-se do grande desafio», recorda Zé Pedro. «Começámos tudo do zero, embora com redobrada energia e já não por brincadeira, como no início. Acreditávamos em nós e, subitamente, demo-nos conta que muito mais gente tinha a mesma crença. Fizemos montes de concertos em montes de pequenos clubes. Era o que queríamos: batalhar esse circuito, conquistar cada vez mais público...» Zé Pedro não esconde que essa terá sido uma fase determinante na vida da formação: «aquela em que todos sentimos ser possível prosseguir, marginais ou não, mas capazes de conquistar, a pulso e à nossa própria custa, um lugar, um espaço, na música moderna portuguesa. Está conquistada, vamos lá ver no que tudo isto irá dar.» Com a entrada do guitarrista João Cabeleira em Novembro de 1983 e, mais tarde, do saxofonista Gui (que já tocara com o grupo como convidado), os Xutos e Pontapés alcançam a estabilidade. É a quarta época da vida da banda, aquela que ainda perdura, aquela de onde sairá apenas para a «morte». Zé Pedro garante-o: «Se algum de nós saísse nesta altura era o fim dos Xutos e Pontapés." Porquê? «Porque os Xutos e Pontapés somos nós cinco, sem líder, trabalhando sempre em conjunto e por consenso. Não há o menor atrito pessoal ou profissional entre nós. Somos os Xutos e Pontapés e, por enquanto, assim continuaremos... Pois. O dia de amanhã ninguém o conhece. «Atingimos um ponto grande na nossa carreira, pensamos que podemos ir mais longe mas, atenção, quem chegar alto como nós arrisca-se a uma queda maior. A única coisa que eu queria é que tivéssemos consciência do momento ideal para parar. Acho que não devemos continuar se começarmos a mastigar. A partir de agora tem de ser sempre para a frente e a subir...»
Não à campanha eleitoral
«Como não concordamos com a realização destas eleições, em princípio não iremos colaborar em qualquer campanha.» Zé Pedro, dos Xutos & Pontapés, em «discurso directo». Pela primeira vez desde há alguns anos, o grupo não irá colaborar na campanha de qualquer partido. Não que o grupo esteja arrependido de anteriores envolvimentos; apenas este ano é diferente. Diferente porque o grupo, como disse Zé Pedro, não concorda com a realização de eleições; diferente porque os Xutos acham que não vai ser possível reunir as condições de trabalho que tiveram no ano passado a convite do PS: «fizemos apenas cinco concertos, mas em festas durante as quais não havia discursos políticos. E isso, para nós, é muito importante.»
Tocaram sempre nos arredores de Lisboa e recusaram apresentar-se em festas da campanha presidencial de Freitas do Amaral: «ele pagava mais do que qualquer outro, mas tínhamos decidido só trabalhar para partidos ou candidaturas do PS, para a esquerda, e não nos deixamos tentar pelos elevados cachets que nos foram oferecidos.» Este ano, porém, os Xutos estão indisponíveis...
De Madrid a Lisboa. 31 concertos em três meses
Um palco com 20 metros de frente e 10 de fundo acolhe sexta-feira os Xutos & Pontapés no Pavilhão de «Os Belenenses», em Lisboa, para o concerto final da primeira fase da digressão «Circo de Feras». O início desta digressão dos Xutos & Pontapés coincidiu com o lançamento do álbum homónimo, o primeiro gravado pelo grupo para uma «grande editora». Estávamos a 5 de Fevereiro e o grupo actuava, então, na Sala Templo del Gato, em Madrid. Ao longo destes três meses, os Xutos realizaram 31 concertos e já na semana da «apoteose», no Restelo, Zé Pedro, habitual porta-voz do grupo, exprime uma enorme satisfação: «nunca tínhamos tocado tanto, para tanta gente em tão curto espaço de tempo». No Restelo, para termo da primeira fase da digressão, os Xutos & Pontapés vão fazer um espectáculo de mais de duas horas, portanto relativamente mais longo do que todos os outros. O palco de vinte por dez metros terá um cenário especial concebido pelo baterista Kalu e a banda irá dispor da «melhor aparelhagem possível»: qualquer coisa como dez mil watts de som. Pela primeira vez os três guitarristas dos Xutos podem utilizar transístores o que facilitara a movimentação do palco. Carlos Maria Trindade, produtor do álbum «Circo de Feras» actua como convidado em dois temas: justamente no «Circo...» e em «Contentores». Segundo Zé Pedro, «todas as canções do álbum fazem parte do roteiro do concerto o qual não deixa de ser, fundamentalmente, uma viagem pelo nosso reportório de oito anos de carreira». Temas nunca gravados anteriormente e um instrumental inédito foram, também, seleccionados para a «grande apresentação» de Lisboa a qual deve ser presenciada por cerca de oito mil pessoas.
Quem são eles?
Já foram um trio, já constituiriam um quarteto. Hoje são o quinteto Xutos e Pontapés. Um por um são assim:Zé Pedro, guitarrista — É o mais idoso dos Xutos e Pontapés. Tem 30 anos de idade, guitarrista, autodidacta. O grupo começou, muito por «culpa» sua quando o primeiro anúncio foi publicado nos jornais.Tim, baixo — Tem 26 anos de idade, está nos Xutos e Pontapés desde o início. Quer dizer: era o único baixote que podia participar no concurso promovido por Zé Pedro e por Zé Leonel nos finais de 78. Estudou no Conservatório.Kalu, bateria — Tem 28 anos de idade e é gerente de uma fábrica de cortiça. Por outras palavras: Trata-se do único músico não profissional dos Xutos e Pontapés embora faça parte da banda desde a sua fundação. Tocava em conjuntos de baile antes de se juntar aos Xutos.João Cabeleira — Tem 24 anos de idade. Juntou-se aos Xutos e Pontapés depois da «morte» da Vodka Laranja e isto numa altura em que o grupo já trabalhava bastante com este guitarrista.Gui, saxofone — 29 anos. Antes de se juntar aos Xutos, pertencia aos On Off e aos Casino Twist. Começou por ser músico convidado dos Xutos e Pontapés, mas não tardou a alcançar o estatuto de músico principal.
Sem comentários:
Enviar um comentário